domingo, 10 de janeiro de 2010

A vesga

Quem jamais foi ao Empório nunca teve catorze anos. E tenho o dito. Este lugar de iniciação da vida social de tantos jovens cariocas ditos alternativos - relego a alternatividade àqueles que não se iniciaram nas matinês da Prelude pegando mulheres pelos cabelos – abriga também as mais diversas criaturas. Eu poderia apostar, inclusive, que as tavernas cheias de orcs, goblins, hobbits e elfos imaginadas por Tolkien apresentam menos diversidade. Pelo menos eles são todos da Terra Média!

Piadas nerd à parte, freqüentam o bar em Ipanema pessoas de todas as classes sociais, origens distintas e motivações desconhecidas, muitas vezes surpreendentes. Já as minhas amigas que me chamaram para esta aventura nostálgica, por outro lado, tinham objetivos bastante claros. Gringos. Ainda que uma delas só quisesse brigar com os que não acreditassem que ela era a reencarnação do Freddie Mercury, e outra se divertisse em mostrar os bairros do Rio para um indiano criado no Malauí, elas estavam lá por eles e para eles.

Sentado em um canteiro em frente a esta Arca de Noé, alterado o suficiente para não me importar com o rumo decadente que meu fim de semana havia tomado, ouvi, perto demais do meu ouvido, “nãnãnã atleta?”, “oi?”, “você é atleta, gato?”. Sou incapaz de dizer com precisão o que mais chamava a atenção naquela cena, a frase ou a mulher de meia idade que havia brotado da terra ao meu lado.

Ela continuou, com os seus cabelos que me lembravam vagamente um espanador de pó velho da minha casa. “Eu trabalho com energia, sou numeróloga, astróloga, faço Feng Shui, qual o seu signo? Peixes? AAAAH, piscianos são tão carinhosos, que gostosoooo! Em que ano você nasceu?”. Apesar do calor desértico dos últimos tempos, uma gota de suor frio escorreu pelo meu rosto quando ela botou a mão sobre o meu joelho e respondi, “1991”.

“Ai que deliciaaaa! Você é deliciosoooo!”, uma segunda gota de suor escorria na medida em que a mão dela descia à minha coxa. A situação estava ficando crítica, não queria perder essa história, mas começava a temer pela minha integridade física. Tentei mudar o rumo da conversa. “E você, quantos anos tem? Sério, tudo isso, não parece! Diria que você tem no máximo, cof cof, trinta...”. Seus olhinhos vesgos se encheram de alegria ao som dessas palavras e sua boca, um pouco torta, anunciou, “tenho um sobrinho da sua idade! Eu que o ensinei a botar camisinha! HAHAhahAhaHAhaHA”

A sua gargalhada maníaca me assustou menos do que a sua mão escalando, cada vez mais ousada, a minha coxa. “Abortar missão”, pensei. Fingi um bocejo e disse, “que sono bateu agora, acho que vou pra...”, “AAAAI, eu sou muito lentaaaa! Se eu fosse como as minhas amigas eu já tinha te levado pra casa! Você não ia ter como resistir, duvidaaaa? Você deve ser muito bom no...

O seu tom de ameaça foi definitivo. Eu estava perdido. Nesta exata hora uma voz bem mais doce e agradável, lembrando a de certo vocalista do Queen, sussurrou no meu ouvido, “Tepedino, sai daí, essa mulher é vesga!”, “...sexoooo!”, completou a minha nova amiga.

Levantei em um pulo, com o braço erguido para um taxi que passava. Antes que a mulher pudesse pensar duas vezes, eu já estava a meio caminho de casa, agradecendo a Deus por jogar no meu colo esse presente. Quem disse que Ele dá nozes a quem não tem dentes?

6 comentários:

  1. Pois é tepê, você é uma delicinha.
    E o emps é sempre uma parada inusitada que é 8 ou 80, ou é a pior coisa que você poderia ter feito com a sua noite ou é surpreendente!

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  2. hahahaha eu te salvei!
    adorei o texto!
    beijinhos anouk.

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  3. Caramba, "a vesga" é um belo exemplo de figurinha peculiar que só encontramos no empório

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  4. pegou o orkut dela??? hauhauahuahau

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  5. Tepê,
    Adorei o blog!

    Eu sempre me assunto quando passo pelo empório e percebo que bizarramente aquele lugar continua vivo (e com as mesmas pessoas).

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